6 de jun. de 2012

Saudade

Sinto saudade
de correr descalça na chuva sem medo de raios e trovões
de banhar no rio escondida da mãe, e só de calcinha
de pular da árvore enorme que insistiu em nascer dentro do rio, só para desafiar a coleguinha
de assoprar entre as mãos fechadas e depois colocar a mãe nos olhos para "diminuir a vermelhidão" de horas e horas banhando no rio dizendo: "chô, tique-taque;-tique-taque"
de mesmo com medo, descer a correnteza do rio segurando nas plantas da costa
de atravesssar parte do rio nadando, só para catar "azedinhas", frutas típicas que insistiam em crescer no meio das pedras ingremes da "praia do meio"
de remar uma canoa, e me achar importante, mesmo sendo só uma criança enfrentando a correnteza
do arrastar de chinelos apressado do meu pai ao ir ao banheiro
de jogar vôlei descalça no meio da rua
de enxugar a quadra da escola mil vezes para jogar mesmo que fosse meio minuto
de colocar o calcanhar no chão e rodar o corpo numa espécie de simpatia para fazer a chuva ir embora e deixar a quadra seca
da disputa ferrenha no jogo, por oras e oras, sem que sequer a palavra cansaço fosse lembrada
dos amigos maravilhosos que ficaram lá atrás e que morro de saudade de encontrá-los mesmo que por um minuto, para um longo abraço lhes dar
da caminhada no meio do mato para visitar a minha avó e comer aquele arroz molinho, acompanhado de ovos mexidos e fava, com um tempero que só ela sabia mensurar
de dormir na cama rústica que ela mesma havia feito, ouvindo a chuva bater no telhado de sapê e o assobio dos pássaros que via pela janela daquela casinha rústica, mas com cada coisinha em seu lugar
da banana seca que ela insistia em preparar para os netos
das brincadeiras de roda, ciranda e cirandinha,
do caiu no poço que insistiamos em brincar só para beijar o menino que gostávamos
Ah saudade! Às vezes tu és implacável e ferrenha em não nos permitir esquecer
Mas ao mesmo tempo tu és milagrosa, pois nos faz sensíveis quando estamos nos tornando duros frente à vida
Por isso, volte sempre que quiser para não me deixar nunca esquecer o quanto minha infância foi maravilhosamente bela, o quão amada eu fui e o quanto eu amei também.


Val Araújo

2 comentários:

  1. oi Val,
    lindos textos que expressam uma sensibilidade incrível. Também entrei no túnel do tempo ao lê-lo e me emocionei com o anterior. O mundo está mudando muito rápido e infelizmente para uma direção quase impossível de voltar. Depende de pessoas como eu e você tentarmos fazer isso.
    Beijos tenha um lindo feriado!

    Cleo

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  2. Ahhhhh, Val, que delícia esse poema, ou poesia?...não importa, amei!Me levou de volta a minha infância, como era bom aquele tempo...que bom você ter criado esse blog.
    Vou te seguir, tá?

    beijinnnnnnsss

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